segunda-feira, 12 de outubro de 2015

O Farol

Les Onglous


Já escreveu meia-dúzia de livros, todos best-sellers. "Posta" diariamente nos seus três blogs. Colabora com diversos institutos, mestrando cursos de uma semana, incluindo os coffee-breaks. Ainda tem tempo para participar em vários websites da especialidade gravando vídeos e respondendo a comentários. Consegue com dificuldade encaixar no horário, participações em programas de televisão e rádio e faz conferências para salas cheias, com deslocações, estadia e refeições pagas, patrocinado pelas melhores organizações do ramo, auferindo um cachet de valor não revelado.

Este fulano, seguido por milhares nas redes sociais, é o exemplo acabado do guru ocidental. As palavras que profere, servem de prova a qualquer argumento. Por exemplo, numa discussão sobre a matéria:

- Ele diz que se fizermos assim ou assado, vamos ter sucesso garantido.
- Mas atenção, porque também afirma que ao usarmos o método dele, não devemos fazer isto ou aquilo, porque será muito mais rápido e barato.
- Pronto! Está resolvido, vamos fazer tudo como ele diz. O sucesso está garantido.

Este tipo de raciocínio, que utiliza ensinamentos pessoalizados e que já vi andar muitas vezes à minha volta, é para mim, o princípio da falha de muitos planos e leva muito frequentemente à desilusão quer pessoal, quer de um grupo.

E porque é que eu acho não devemos seguir à risca o que o guru diz, quando há tanta gente a fazer exatamente o oposto?

Primeiro. Tenho muitas dúvidas que uma pessoa que se divide por tantos afazeres de comunicação, consiga realmente ter tempo para exercer dentro da matéria que tanto fala. Isto é, dizer palavras bonitas, ao lado de slides de design moderno e projetados numa sala cheia de gente a pagar, não faz necessariamente do orador um exemplo a seguir. Quantos trabalhos (e só os académicos, não contam) é que ele já produziu? Quantas peças ganharam notoriedade junto dos seus pares, quantos sistemas foram implementados com sucesso, no mundo real?
Resumindo o primeiro ponto - não basta dizer umas postas de pescada, é preciso demonstrar com provas concretas a eficácia do método, incluindo todos os ambientes onde foi implementado, porque o problema são precisamente as variáveis de contexto.

Segundo. É uma condição humana, todos a temos, incluindo eu. Somos seguidistas. Há uma coisa nas pessoas que classifica os outros pelo seu carisma. Interiormente, ordenamos os outros pelo grau de carisma e seguimos os mais bem classificados, hipnotizados. Possuímos no nosso código genético, o comportamento de manada e vamos atrás do "chefe" sem questionar - pensem um pouco e vejam lá se as religiões e partidos políticos, por exemplo, não serão manifestações organizadas de seguidismo.
Conseguimos até ignorar coisas completamente racionais e óbvias, só porque estamos em modo de seguidor: há alguns de nós que acreditam que um humano andou sobre a água há dois mil anos, ou que é possível criar uma sociedade onde somos todos iguais, ricos e felizes.
Para provar o que estou a afirmar, isto é, quão irracional é o seguidismo, procurem a lista de líderes mais carismáticos e vão encontrar Churchill ao lado de hitler (arghh - acho que nunca tinha escrito o nome dele, vou tirar a maiúscula porque não merece), ou Madre Teresa de Calcutá perto de David Koresh. Concluindo o segundo ponto, devia ser preciso muito mais do que carisma, para ligar o modo seguidista, nos humanos.

Terceiro. Os peritos na matéria, são os geeks que nunca, ou muito raramente, saem da atividade (pode ler-se: caverna). Sabemos quando estamos perante um, quando e se o apanharmos numa rara interação social, puxarmos a conversa para o assunto dele. Se não percebermos metade do diz - é um geek! Muito provavelmente vai falar por listas numeradas, ignorará floreados, e mesmo que a questão seja um tema delicado, podemos ter a certeza que não haverá qualquer pudor nas suas palavras. Um geek que é um dos meus gurus (sim, também tenho!), o aclamado guitarrista John Petrucci*, em resposta à pergunta "O que faz para tocar guitarra tão bem?", respondeu: "Bem, é preciso praticar bastante até conseguir fazer isto assim..." e, de guitarra em punho, tocou uma escala estrambólica**, a uma velocidade surpreendente. Se o Petrucci não fosse um geek e fosse um guru dos que estamos a falar, iria dissertar por dez minutos, começando por dizer: "Acordo sempre cedo, e tomo um pequeno almoço sem glúten, com muita fruta, mas nunca antes das oito da manhã...".
Finalizo o terceiro ponto com uma pergunta. Percebem a diferença, entre um e o outro?

Quarto. Não podia deixar de mencionar os "treinadores de vida" que ficam muito bem neste quadro dos gurus. O quê? não sabem o que é um treinador de vida? e se for em inglês? Life coach. Arrepiam-se-me os pelos púbicos, quando pressinto que uma destas criaturas vendeu um livro, escreveu qualquer coisa para o público ou abriu a boca. Mas que raio de coisa esta, precisarmos de um/a tipo/a que nos diga como se deve viver! A Humanidade chegou aqui sem eles, e tenho a certeza que vai continuar, quando acabarem. É uma experiência evolutiva falhada. Os Life Coaches, são os Dodos* da Humanidade! - bonitinhos, mas completamente ao lado enquanto pássaros.
Pedir conselhos a um velho tio, a um colega ou vizinho experiente, parece-me bem e até recomendo para solucionar problemas ocasionais. Agora, pagar a uma pessoa destas, com percurso académico duvidoso, para nos ajudar a sermos nós!?

- Oh, o meu marido deixou-me! Tome lá seiscentos euros para me ensinar o que devo fazer para que o próximo fique comigo até ao fim da vida ou até ser eu a zangar-me com ele.

Mas está tudo doido? A vida é mesmo assim: como os interruptores - umas vezes para cima, outras para baixo, até que um dia acaba e o que fazemos entre as amplitudes é que conta.
Num dos websites que visitei, para escrever isto, um artigo tinha como título: "Cinco dicas para gostar mais do seu emprego". Não o li, mas dou uma dica de borla, e que é de certeza melhor do que as cinco dele: "Se não gostas desse, arranja outro!". E se me respondesses: "Mas não é fácil mudar de emprego", eu diria: "Então desfruta do que tens e relaxa".
Agora percebem porque é que eu nunca podia ser Life Coach - com uma atitude destas, seguramente os clientes fugiriam o mais depressa que lhes fosse possível. O contrário disto, é precisamente o que os Coaches/gurus fazem, dizer coisas bonitas a pessoas debilitadas, quando o que na verdade elas necessitam, é de um abanão.
A moral do quarto ponto é: Procura sempre no melhor lado da vida***.

Quinto. Citações e lemas. Por favor, desconfiem e digam "NÃO!" se verificarem que num discurso, publicação, website ou panfleto, o autor repetidamente cita este e aquele, menciona Gandhi ou Freud ou pior ainda, usa uma frase de um deles como lema de vida. Saiam rapidamente, olhado para o lado.Fujam mesmo, se for preciso!
Ter um lema de vida, não me aquece nem arrefece, mas que mais tarde ou mais cedo vai ser violado, isso é mais do que certo. As pessoas crescem todos os dias, as condições mudam, os caminhos para frente são uma caixinha fechada e os para trás estão arrumados. Isto para não falar das pessoas que magoamos ou atingimos, mesmo sem saber. Portanto, ou não ligamos à hipocrisia latente que é dizer que seguimos um lema de vida, ou arranjamos um novo para cada dia.
"És mesmo parvo! há pensamentos tão verdadeiros e inspiradores!".
A afirmação anterior, é o que diria uma pessoa que gosta daquelas imagens de pôr do sol ou gatinhos, com frases bonitas que aparecem "postadas" no facebook e ainda as re-publica. Para esses, um conselho na segunda pessoa:
Consome-as em contexto total, lê os livros de Nietzsche, Sartre, Kafka, Agostinho da Silva, Eduardo Lourenço ou António Lobo Antunes, para mencionar apenas alguns, de muitos. Estes sim, merecem a nossa vénia e reconhecimento. Estes sim, são verdadeiros treinadores do pensamento e que contribuem, página por página, para o alinhamento de ideias, formação de conceitos e para a felicidade de nos conhecermos a nós próprios e ao mundo que nos rodeia. Estes sim, são professores quotidianos, faróis nas noites de tempestade e que se sentam ao nosso lado, na salas de espera, no metro ou na insónia, segredando-nos sabedoria.

E é isto.



* Wikipédia

** Priberam

*** É uma citação e poderia ser o meu lema, fosse eu hipócrita.



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