Já escreveu
meia-dúzia de livros, todos best-sellers. "Posta"
diariamente nos seus três blogs. Colabora com diversos
institutos, mestrando cursos de uma semana, incluindo os coffee-breaks. Ainda tem tempo para
participar em vários websites da especialidade gravando vídeos e
respondendo a comentários. Consegue com dificuldade encaixar no
horário, participações em programas de televisão e rádio e faz
conferências para salas cheias, com deslocações, estadia e
refeições pagas, patrocinado pelas melhores organizações do ramo,
auferindo um cachet de valor não revelado.
Este fulano, seguido
por milhares nas redes sociais, é o exemplo acabado do guru
ocidental. As palavras que profere, servem de prova a qualquer
argumento. Por exemplo, numa discussão sobre a matéria:
- Ele diz que se
fizermos assim ou assado, vamos ter sucesso garantido.
- Mas atenção, porque também afirma que ao usarmos o método dele, não devemos fazer isto ou
aquilo, porque será muito mais rápido e barato.
- Pronto! Está
resolvido, vamos fazer tudo como ele diz. O sucesso está garantido.
Este tipo de
raciocínio, que utiliza ensinamentos pessoalizados e que já vi
andar muitas vezes à minha volta, é para mim, o princípio da falha
de muitos planos e leva muito frequentemente à desilusão quer
pessoal, quer de um grupo.
E porque é que eu
acho não devemos seguir à risca o que o guru diz, quando há tanta
gente a fazer exatamente o oposto?
Primeiro. Tenho
muitas dúvidas que uma pessoa que se divide por tantos afazeres de
comunicação, consiga realmente ter tempo para exercer dentro da
matéria que tanto fala. Isto é, dizer palavras bonitas, ao lado de
slides de design moderno e projetados numa sala cheia de gente a
pagar, não faz necessariamente do orador um exemplo a seguir.
Quantos trabalhos (e só os académicos, não contam) é que ele já
produziu? Quantas peças ganharam notoriedade junto dos seus pares,
quantos sistemas foram implementados com sucesso, no mundo real?
Resumindo o primeiro
ponto - não basta dizer umas postas de pescada, é preciso
demonstrar com provas concretas a eficácia do método, incluindo
todos os ambientes onde foi implementado, porque o problema são precisamente as variáveis de contexto.
Segundo. É uma
condição humana, todos a temos, incluindo eu. Somos seguidistas. Há
uma coisa nas pessoas que classifica os outros pelo seu carisma.
Interiormente, ordenamos os outros pelo grau de carisma e seguimos os
mais bem classificados, hipnotizados. Possuímos no nosso código
genético, o comportamento de manada e vamos atrás do "chefe"
sem questionar - pensem um pouco e vejam lá se as religiões e
partidos políticos, por exemplo, não serão manifestações
organizadas de seguidismo.
Conseguimos até
ignorar coisas completamente racionais e óbvias, só porque estamos
em modo de seguidor: há alguns de nós que acreditam que um humano
andou sobre a água há dois mil anos, ou que é possível criar uma
sociedade onde somos todos iguais, ricos e felizes.
Para provar o que
estou a afirmar, isto é, quão irracional é o seguidismo, procurem
a lista de líderes mais carismáticos e vão encontrar Churchill ao
lado de hitler (arghh - acho que nunca tinha escrito o nome dele, vou
tirar a maiúscula porque não merece), ou Madre Teresa de Calcutá
perto de David Koresh. Concluindo o segundo ponto, devia ser preciso
muito mais do que carisma, para ligar o modo seguidista, nos humanos.
Terceiro. Os peritos
na matéria, são os geeks que nunca, ou muito raramente,
saem da atividade (pode ler-se: caverna). Sabemos quando estamos perante
um, quando e se o apanharmos numa rara interação social, puxarmos a
conversa para o assunto dele. Se não percebermos metade do diz - é
um geek! Muito provavelmente vai falar por listas
numeradas, ignorará floreados, e mesmo que a questão seja um tema
delicado, podemos ter a certeza que não haverá qualquer pudor nas
suas palavras. Um geek que é um dos meus gurus (sim,
também tenho!), o aclamado guitarrista John Petrucci*, em resposta à
pergunta "O que faz para tocar guitarra tão bem?",
respondeu: "Bem, é preciso praticar bastante até conseguir
fazer isto assim..." e, de guitarra em punho, tocou uma escala
estrambólica**, a uma velocidade surpreendente. Se o Petrucci não
fosse um geek e fosse um guru dos que estamos a falar, iria dissertar por dez minutos,
começando por dizer: "Acordo sempre cedo, e tomo um pequeno
almoço sem glúten, com muita fruta, mas nunca antes das oito da
manhã...".
Finalizo o terceiro
ponto com uma pergunta. Percebem a diferença, entre um e o outro?
Quarto. Não podia
deixar de mencionar os "treinadores de vida" que ficam
muito bem neste quadro dos gurus. O quê? não sabem o que é um
treinador de vida? e se for em inglês? Life coach.
Arrepiam-se-me os pelos púbicos, quando pressinto que uma destas
criaturas vendeu um livro, escreveu qualquer coisa para o público ou
abriu a boca. Mas que raio de coisa esta, precisarmos de um/a tipo/a
que nos diga como se deve viver! A Humanidade chegou aqui sem eles, e
tenho a certeza que vai continuar, quando acabarem. É uma
experiência evolutiva falhada. Os Life Coaches, são os Dodos* da
Humanidade! - bonitinhos, mas completamente ao lado enquanto pássaros.
Pedir conselhos a um
velho tio, a um colega ou vizinho experiente, parece-me bem e até
recomendo para solucionar problemas ocasionais. Agora, pagar a uma
pessoa destas, com percurso académico duvidoso, para nos ajudar a
sermos nós!?
- Oh, o meu marido
deixou-me! Tome lá seiscentos euros para me ensinar o que devo fazer
para que o próximo fique comigo até ao fim da vida ou até ser eu a
zangar-me com ele.
Mas está tudo
doido? A vida é mesmo assim: como os interruptores - umas vezes para
cima, outras para baixo, até que um dia acaba e o que fazemos
entre as amplitudes é que conta.
Num dos websites que
visitei, para escrever isto, um artigo tinha como título: "Cinco
dicas para gostar mais do seu emprego". Não o li, mas dou uma
dica de borla, e que é de certeza melhor do que as cinco dele: "Se
não gostas desse, arranja outro!". E se me respondesses: "Mas
não é fácil mudar de emprego", eu diria: "Então
desfruta do que tens e relaxa".
Agora percebem
porque é que eu nunca podia ser Life Coach - com uma
atitude destas, seguramente os clientes fugiriam o mais depressa que lhes fosse possível. O contrário disto, é precisamente o que os Coaches/gurus fazem, dizer coisas bonitas a
pessoas debilitadas, quando o que na verdade elas necessitam, é de um
abanão.
A moral do quarto
ponto é: Procura sempre no melhor lado da vida***.
Quinto. Citações e
lemas. Por favor, desconfiem e digam "NÃO!" se verificarem
que num discurso, publicação, website ou panfleto, o autor
repetidamente cita este e aquele, menciona Gandhi ou Freud ou pior
ainda, usa uma frase de um deles como lema de vida. Saiam rapidamente, olhado para o lado.Fujam mesmo, se for preciso!
Ter um lema de vida,
não me aquece nem arrefece, mas que mais tarde ou mais cedo vai ser
violado, isso é mais do que certo. As pessoas crescem todos os dias,
as condições mudam, os caminhos para frente são uma caixinha
fechada e os para trás estão arrumados. Isto para não falar das
pessoas que magoamos ou atingimos, mesmo sem saber. Portanto, ou não
ligamos à hipocrisia latente que é dizer que seguimos um lema de
vida, ou arranjamos um novo para cada dia.
"És mesmo
parvo! há pensamentos tão verdadeiros e inspiradores!".
A afirmação
anterior, é o que diria uma pessoa que gosta daquelas imagens de pôr
do sol ou gatinhos, com frases bonitas que aparecem "postadas"
no facebook e ainda as re-publica. Para esses, um conselho na segunda pessoa:
Consome-as em
contexto total, lê os livros de Nietzsche, Sartre, Kafka, Agostinho
da Silva, Eduardo Lourenço ou António Lobo Antunes, para mencionar
apenas alguns, de muitos. Estes sim, merecem a nossa vénia e
reconhecimento. Estes sim, são verdadeiros treinadores do pensamento
e que contribuem, página por página, para o alinhamento de ideias,
formação de conceitos e para a felicidade de nos conhecermos a nós
próprios e ao mundo que nos rodeia. Estes sim, são professores
quotidianos, faróis nas noites de tempestade e que se sentam ao
nosso lado, na salas de espera, no metro ou na insónia, segredando-nos sabedoria.
E é isto.
* Wikipédia
** Priberam
*** É uma citação e poderia ser o meu lema, fosse eu hipócrita.
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