quinta-feira, 13 de agosto de 2015

As filas do inferno


Filas do inferno

É tão fácil, tão simples, tão civilizado e limpo que devia ser obrigatório e inscrito na Constituição, refiro-me à fila única!
Vivi o paraíso das filas únicas, pela primeira vez há uns anos atrás, quando visitei Londres, mais exatamente, num pequeno supermercado do centro da cidade, com apenas quatro ou cinco caixas.

Quando ia para pagar, como qualquer troglodita lusitano da altura, procurei a caixa com menos fila e o que encontrei foi exatamente uma pessoa por caixa. Comecei logo a fazer contas. Qual seria o primeiro cliente a sair? Analisei cada um deles. Decidi, e fiz-me à caixa em questão. No caminho, reparei que havia no lado direito, a dois ou três metros das caixas, uma linha branca no chão e que parecia marcar um campo de força impenetrável, porque toda a gente tentava passar a linha e ninguém conseguia. "Mas que raio estão aqueles parvos a fazer, anichados atrás da linha, com tanto espaço aqui?" - este meu pensamento foi bruscamente interrompido por uma voz feminina gravada que dizia, quase a cantar: "Cashier number three, please".

Como que por magia, o campo de força cedeu e uma aliviada pessoa dirigiu-se à caixa três (a mesma que eu tinha selecionado), em passos rápidos e confiantes, ignorando-me como se eu fosse de vidro. "Cashier number one, please", interrompeu a voz de novo. Olha, o campo de força cedeu outra vez! e sim, advinharam, foi uma pessoa para a caixa um. Eu, como qualquer outro troglodita, fiz de conta que ia buscar pastilhas elásticas, dei a volta e fui para trás do campo de força.

Filas únicas, por cá também as há. Por exemplo, na estação do Oriente, em Lisboa, os acessos às bilheteiras são oficialmente feitos em fila única. Quando digo oficialmente, quero dizer que há um papel colado com fita-cola, no vidro, com "Fila única" impresso em negrito e umas fitas extensíveis a desenhar as barreiras da dita. Também já as encontrei por geração espontânea, no metro - parece que andam por aí uns ex-trogloditas perdidos - nestes casos e quando alguém aparece e quer transformar a fila em plural, há que distribuir civismo e tocar no ombro da pessoa, dizendo: "A fila é ali atrás".

E é isto.


Um artigo interessante sobre o assunto: Cashier number three, please.

A teoria "hardcore": wikipédia.

Pode haver quem não saiba o que é(foi) um troglodita.


P.S.
Eu exerci a chamada auto-censura e resisti a escrever bicha em vez de fila. Sim, eu sou do tempo em bicha era: a) uma fila de coisas (pessoas, carros, animais, etc.), ou b) o feminino de algum animal e não havia um c); esse foi introduzido pelas as novelas brasileiras e ganhou força de primeiro significado.

Exemplos
 a)
"Hoje fui de carro para o trabalho."
"E perdeste muito tempo nas bichas?"

b)
"Ontem vi uma cobra. Era cá uma bicha! Tinha pra aí dois metros!"